Sempre achei que a busca por pertencimento fosse algo simples, como perguntar ao espelho da rainha: “Existe alguém mais bela do que eu?” A resposta, que vem como um reflexo daquilo que já somos, deveria ser simples. Deveria! Porém, ao entrar no “universo das manualidades”, a sensação de busca por aceitação se transformou em algo bem mais complexo. Queria ser ouvida, acolhida, e imagino que não era a única a desejar isso. Acredito que todos buscam um espaço onde possam simplesmente ser, sem julgamentos ou expectativas externas. O que eu não sabia é que, ao longo desse caminho, acabaria me deparando não com escuta, mas com espelhos, muitos espelhos.
“Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?”
Rainha Grimhilde
Os espelhos não são necessariamente ruins. Eles refletem a nossa imagem, mas muitas vezes de forma distorcida. Ao procurar por um espaço de acolhimento, fui confrontada com algo muito mais complexo: o reflexo das inseguranças, das competições e da busca incessante por aprovação. O que poderia ser um ato simples de expressão se tornou um jogo de egos, onde o que importava não era o que você criava, mas quem estava “dominando” o campo de batalha. E, preciso ser honesta: em alguns momentos, eu também quis estar nesse lugar de domínio. Já desejei ser reconhecida como a melhor, a mais criativa, a mais vista, entrar para o seleto e discutível “time das artesãs”. Sim, já quis ser a dona da narrativa. Hoje, olhando com mais profundidade, reconheço isso como parte da minha sombra — e não me orgulho. Mas é preciso nomear para transformar.
“Tu és a mais bela, rainha, mas a Branca de Neve é a mais bela de todas.” Espelho Mágico

E eu, que buscava escuta, me vi rodeada por vozes que não estavam dispostas a me ouvir, mas a falar (também!). A necessidade de ser vista, de provar a minha relevância, tomou o espaço que poderia ser de troca genuína. Ao invés de encontrar acolhimento, encontrei um espelho que refletia apenas as pressões externas. As redes sociais, que inicialmente pareciam ser uma extensão do meu desejo de pertencimento, se revelaram mais como uma sala de espelho num coletivo de egos inflados.
O crochê, que antes era uma forma de expressão pessoal, agora, era um palco onde todas precisavam estar à frente, visíveis e validadas. As questões de autoria, originalidade e reconhecimento tomaram de assalto o espaço da criatividade e do aprendizado – A roda virou ringue! Percebi, então, que o que eu buscava não era um espelho, mas uma janela — uma janela aberta para a troca genuína, para a escuta verdadeira, para o crochezinho despretensioso. Mas, em vez disso, me vi foi presa em uma sala cheia de reflexos que me distorciam.
“Com a magia do espelho, governarei o mundo.”
Rainha Grimhilde
A rainha má, da Branca de Neve — aqui, abro um pequeno parêntese. Alguém sabia que o nome da Rainha era Grimhilde? — acreditava que seu domínio sobre a beleza refletida no espelho lhe dava o poder de controlar tudo ao seu redor. Essa obsessão com o reflexo era a chave para sua autovalidação e, ao mesmo tempo, sua queda. O espelho, para ela, não era apenas um objeto, mas a ferramenta mágica que lhe garantia uma ilusão de controle sobre a própria realidade.

De certo modo, vivemos algo semelhante nas redes sociais. Criamos nossas imagens, escolhemos nossas palavras e, de repente, passamos a acreditar que a quantidade de curtidas e seguidores é o reflexo do nosso valor — ou pior, do nosso poder. Governamos nossos mundinhos virtuais com um simples toque, acreditando que somos amadas, admiradas e aceitas. Mas, assim como Grimhilde, podemos nos perder na ilusão de que esse controle é real… e que esse reflexo é quem realmente somos.
E é aí que os tais rótulos ganham força. Nos distanciam umas das outras e de nós mesmas, condensando toda nossa complexidade em palavras prontas: má, criativa, autêntica, referência… ou irrelevante, ultrapassada… No fim, penso que o perigo não está só no espelho ou na tela, mas na crença de que ser nomeada pelo outro basta para sabermos quem somos.
Espelhos não foram feitos para escutar!

Esse movimento de olhar para o outro e enxergar apenas reflexos distorcidos, na minha percepção, é o que mais acontece, principalmente em ambientes virtuais. Às vezes, buscamos reconhecimento acreditando que ele virá do olhar do outro — como se o valor que temos só pudesse ser confirmado por um reflexo externo, curtidas, seguidores… Mas esses reflexos nem sempre e, na maioria das vezes, não devolvem o que somos; devolvem imagens distorcidas pelas lentes de quem observa, por suas expectativas, projeções e medos.
Deixa tentar ser mais didática e te dar um exemplo prático. Você compartilha uma experiência sensível, algo real e vulnerável… e logo surgem comentários que nada têm a ver com a sua intenção. Gente dizendo que você quer chamar atenção, que está se fazendo de vítima, “mimimi” ou até mesmo tentando te “corrigir” com conselhos não solicitados.
É como se você tivesse falado em uma língua e os espelhos só soubessem repetir outra. O que você expressou foi um pedido de escuta, mas o que volta é julgamento, projeção, distorção. E então vem aquela sensação amarga de solidão no meio de tanta exposição.
Por que isso acontece? Porque os espelhos das redes — likes, comentários, reels, stories, blá, blá, blá — não foram feitos para escutar! Foram feitos para refletir. E nem sempre refletem quem você é… refletem o que a outra quer ver.
Espelhos não escutam, não compreendem, não acolhem. Espelhos refletem — mas não refletem.
Nota mental
Mostram imagens, não verdades.
Então, o problema dos espelhos, nesse caso, não está neles em si, mas na forma como os usamos — ou somos usados por eles. Eles não escutam, não compreendem, não acolhem. Apenas devolvem algo que pode ou não corresponder à nossa verdade. E, quando buscamos pertencimento baseados nessas imagens refletidas, nos afastamos de um lugar mais profundo: o da escuta interna, o da aceitação da nossa própria história.
(E aqui vale uma pausinha curiosa: nosso português tem uma daquelas belezas escondidas — a palavra refletir pode significar tanto ver-se no espelho quanto pensar profundamente. Será coincidência? Talvez o ato de refletir no espelho precise mesmo ser acompanhado de um refletir interno, silencioso, verdadeiro. Porque sem esse segundo movimento, corremos o risco de acreditar apenas na imagem projetada — e não no que de fato sentimos, vivemos, somos.)
Portanto, o reflexo no espelho pode ser enganoso. O espelho não vê as “camadas” do que somos; ele apenas reflete uma imagem superficial. E foi isso que encontrei no crochê: uma busca incessante por validadores, um campo fértil para alecrins dourados, que não estavam dispostos a ver além da superfície. O crochê, que era, na minha visão, um lugar de acolhimento, se transformou em um espaço de comparação constante, onde o valor daquilo que criávamos estava atrelado à nossa capacidade de “brilhar” em meio a tantos outros brilhos.
Escuta: A Falta de Espaço para Ser
E seguindo nessa metáfora, ao olhar para o espelho, percebi que, na verdade, a grande falha não estava nos outros, mas em mim mesma. Pasmem! Eu estava tão imersa na busca por reconhecimento e pertencimento que nem me dei conta de que já tinha tudo o que precisava: a minha própria história, a minha própria escuta interna. Surpresa! O problema estava no desejo de ser validada externamente e na tentativa de me encaixar em padrões que não faziam sentido para mim.
O pertencimento, ao contrário do que pensava, não depende da aprovação dos outros. Ele nasce de uma escuta interna, profunda, que nos permite nos aceitarmos como somos, sem os espelhos que distorcem a realidade. Quando buscamos a escuta verdadeira, é preciso estar disposta a ouvir a si mesma, a compreender as próprias necessidades e não esperar que o outro nos dê aquilo que já podemos oferecer a nós mesmas.
Não posto, logo não existo?
Agora, compreendo que o verdadeiro pertencimento não precisa ser validado ou reconhecido por ninguém. Ele nasce quando entendemos quem somos e do espaço que conseguimos criar para nós mesmas, sem a necessidade de espelhos que confirmem nossa existência. O pertencimento verdadeiro não exige aprovação externa. Ele é algo interno, algo que se constrói com o tempo e com a aceitação genuína de quem somos.

Talvez, se mais mulheres se permitissem escutar a si mesmas, ao invés de se perderem em um mar de espelhos, o crochê e tantas outras formas de arte seriam mais leves. Sem a pressão de competir, sem a busca por ser mais ou melhor. Apenas a vontade de criar, de ser, de se expressar e de se conectar.
“Você é única. Não existe ninguém mais autêntica do que você. “
Espelho Mágico da Márcia
Quero te convidar a refletir — não nos espelhos que nos cercam, mas na escuta que vem de dentro. Vamos nos permitir ser escutadas antes de buscar sermos vistas. Vamos criar um espaço onde a troca não seja sobre quem é melhor, mas sobre quem somos, de fato. Porque, no fim das contas, é a escuta verdadeira que nos torna plenas.
Se você já se sentiu perdida entre espelhos ou se reconhece nesse caminho de busca por pertencimento, compartilha tua experiência. Vamos continuar essa conversa com profundidade e autenticidade. A verdadeira conexão começa quando nos abrimos para sermos escutadas — sem a necessidade de aprovação externa.
- Ilustrações criadas com o apoio de uma inteligência artificial – uma mistura de magia digital e imaginação.”
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