A educação é, acima de tudo, um processo de relação humana. E em qualquer relação humana significativa, o afeto é o elo fundamental. Falar sobre educação e saúde sem considerar o afeto é ignorar a essência do aprendizado e do cuidado.

Fui criada em um lar onde o afeto era a base de tudo. Minha mãe, professora por quase 50 anos, alfabetizava com o “método da abelhinha”, um método que estimulava as crianças a se encantarem com os personagens e, a partir dessa conexão emocional, aprenderem a ler, escrever e compreender. O aprendizado vinha da inspiração — e a inspiração, do afeto.

Ao longo da minha vida escolar, era comum chamar os professores de “tios” e “tias”, o que hoje é considerado inadequado por alguns contextos pedagógicos. No entanto, essa forma de nomear os professores refletia a intimidade e o carinho com que nos relacionávamos com eles. Cresci cercada por educadores que eram, em sua maioria, amigos da minha mãe — mulheres que carregavam o compromisso afetivo com a missão de ensinar..

A educação afetiva não entrega apenas conteúdo. Ela reconhece o aluno como um todo: suas experiências, emoções e histórias.”

Mais tarde, como profissional, entendi que a forma como fui ensinada me transformou. Tive mentores e chefes que, por meio do cuidado e da escuta, me ensinaram mais do que qualquer livro. O afeto não apenas fez parte do meu aprendizado — ele foi o caminho.

Educação afetiva como ferramenta de transformação

Durante minha atuação no Laboratório Criativo Projeto Voluntário, percebi de forma muito clara como o afeto impactava diretamente no rendimento das crianças. Professores que se relacionavam com empatia, escuta e cuidado eram os que mais inspiravam, engajavam e estimulavam os alunos a aprender. Eram, no entanto, minoria. Muitos outros mantinham uma postura indiferente: entravam em sala, transmitiam o conteúdo, aplicavam provas e seguiam suas rotinas. Esses profissionais não estavam errados do ponto de vista técnico, mas faltava a eles o vínculo essencial que transforma: o vínculo afetivo.

A educação afetiva compreende o aluno de forma integral. Não apenas sua cognição, mas suas emoções, contextos familiares, vivências, dores e alegrias. Ela busca enxergar o aluno como um ser completo, e não como alguém a ser “preenchido” com conteúdo.

Afeto, ética e saúde mental

Certa vez, ouvi que a ética se constrói a partir dos afetos. Fazemos ou deixamos de fazer algo não apenas porque “é certo ou errado”, mas porque amamos e respeitamos alguém. Não roubo porque minha mãe me ensinou que é errado, e porque isso a magoaria. A ética, nesse sentido, é relacional — é um pacto de afeto.

Da mesma forma, muitos dos problemas de saúde mental nas escolas estão relacionados à ausência de escuta e sensibilidade. Professores, sobrecarregados por um sistema exaustivo e pouco valorizados socialmente, muitas vezes não conseguem ou não sabem como identificar sinais de sofrimento nas crianças. Mas há evidências crescentes de que o acolhimento afetivo reduz índices de violência, evasão e ansiedade entre estudantes. Dados do UNICEF (2023) apontam que crianças que se sentem emocionalmente seguras aprendem até 30% mais rapidamente e têm maior probabilidade de manter vínculos escolares saudáveis.

O professor como ser sagrado

Para que a educação afetiva se concretize, é necessário restaurar a dignidade e o protagonismo do professor. A lógica produtivista e capitalista esvaziou o sentido profundo da educação. Fez com que muitos professores se sentissem irrelevantes, como peças de uma engrenagem que só mede desempenho por métricas frias.

“A sala de aula é um templo. E o professor, um ser sagrado ali dentro. Quando ele se percebe assim, tudo muda.”

Mas eu acredito que a sala de aula é um templo, e o professor é um ser sagrado. É ele quem guarda os sonhos, os medos e o futuro das crianças. Nenhuma profissão carrega tamanha responsabilidade e potência de transformação. Um professor pode mudar uma vida para sempre — para o bem ou para o mal.

Trazer de volta essa consciência espiritual da docência é uma revolução silenciosa e urgente. Quando o professor se reconhece como guia, como alguém que afeta e é afetado, ele se torna inspiração. E só há aprendizado verdadeiro quando há inspiração.

Conclusão

Educar é um ato de amor. É por meio do afeto que formamos cidadãos mais conscientes, empáticos e saudáveis — emocional, mental e fisicamente. A educação afetiva não é um luxo, é uma urgência. É ela que pode transformar nossas escolas em espaços de cura, desenvolvimento e esperança.

E talvez, quem sabe, seja esse o maior legado que podemos deixar: ensinar a sentir. Sentir o outro, sentir o mundo, sentir-se vivo.


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