O que significa, de fato, se conhecer?

Desde muito cedo, muitas de nós sentimos uma inquietação difícil de nomear. Um vazio, uma pergunta constante: qual é o meu lugar no mundo? Esse questionamento, por vezes silencioso, é o primeiro aceno do autoconhecimento.

Acervo Pessoal: Sou a que está sentada a esquerda no Fiat 147 do meu pai, ao lado, minha irmã

Foi o que aconteceu comigo, Márcia, autora deste relato. Embora essa busca tenha me acompanhado desde a infância, foi aos 40 anos, no auge de uma depressão profunda, que dei meus primeiros passos conscientes rumo ao reencontro comigo mesma. E, surpreendentemente, esse reencontro começou pelo crochê.

“Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, desperta.” — Carl Jung

Carl Gustav Jung (1875–1961), psiquiatra e fundador da Psicologia Analítica, já dizia que o verdadeiro despertar acontece quando voltamos o olhar para dentro. E olhar para dentro pode ser, sim, assustador. Mas é nesse processo que acessamos o que há de mais genuíno em nós: nossas dores, nossa história e, principalmente, nosso poder.

Para mim, olhar para dentro foi resgatar aquela menina corajosa que aprendeu a andar de bicicleta sozinha e que fazia crochê para conquistar a avó. Em silêncio, com uma agulha na mão, fui puxando o fio da minha própria ancestralidade e reencontrando partes de mim que estavam perdidas no tempo e na correria da vida..

A pesquisadora e autora Brené Brown, referência mundial nos estudos sobre vulnerabilidade e coragem, afirma que autoconhecimento exige coragem. E essa coragem, muitas vezes, começa com pequenos gestos — como parar, respirar e se perguntar: quem sou eu agora?

Na minha caminhada, no entanto, descobri que carregava dores de muitas mulheres que vieram antes de mim. Percebi que algumas das crenças que me limitavam foram, um dia, escudos criados para manter essas mulheres vivas. Eu, mulher parda, cresci sentindo que não pertencia a lugar algum. Não preta o suficiente para estar entre os pretos. Nem branca o bastante para ser acolhida entre os brancos. Invisível. Silenciosa. Educada para não incomodar.

Hoje sei que isso tem nome: passabilidade. E entendi que passar não é pertencer. E que pertencer exige ocupar espaços com voz e presença.

“O amor é um ato de vontade — isto é, tanto uma intenção como uma ação.” — bell hooks

A escritora e intelectual bell hooks nos lembra que o amor é político, e também é escolha. Escolher se conhecer, se acolher e se curar é um ato radical de amor. Principalmente para mulheres que, como eu, foram ensinadas a silenciar a própria dor para que o mundo permanecesse confortável.

Fui desligada recentemente de um trabalho que eu amava. Senti que fazia a diferença ali. Foi um golpe duro. Mas ao olhar nos olhos dos meus fantasmas e dizer: vocês não têm mais poder sobre mim, eu entendi: eu não fui demitida. Eu fui libertada.

Essa virada não foi uma descoberta única, mas sim,  uma sequência de reencontros. Foi um longo processo, e ainda é. O autoconhecimento não tem linha de chegada, mas tem pontos de virada.

E, na prática? Como cultivar o autoconhecimento?

Na vida:

  • Comece com o silêncio. Por exemplo, dez minutos por dia em estado de escuta interna já são um bom começo.
  • Escreva. Diário, cartas, memórias — tudo ajuda a organizar pensamentos e emoções.
  • Busque apoio. Terapia, rodas de conversa, grupos de mulheres, práticas integrativas.
  • Observe padrões. O que se repete na sua história? Que dores se apresentam com rostos diferentes?

Na sala de aula:

  • Proponha momentos de escuta ativa entre alunos.
  • Traga reflexões sobre identidade, história e sentimentos.
  • Crie um ambiente seguro, onde todos possam ser quem são.
  • Respeite silêncios: às vezes, é no silêncio que as maiores verdades se revelam.

O primeiro passo é o mais importante

O caminho do autoconhecimento é profundo, por vezes dolorido, mas acima de tudo: libertador. Ele nos permite reconhecer nossas sombras, acolher nossas vulnerabilidades e transformar dor em potência. Como escreveu a poeta Audre Lorde: “Cuidar de mim mesma não é autoindulgência, é autopreservação, e isso é um ato de guerra política.”

Por isso, cuide-se. Ouça sua história. Reescreva suas crenças. E quando a vida parecer tirar algo de você, talvez ela esteja apenas te abrindo uma nova porta. Como aconteceu comigo. Que esse texto te inspire a dar o primeiro passo — com coragem, com amor e com a certeza de que você merece se encontrar.

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